26 janeiro, 2013

Notícias que tinham tudo para "dar certo"...

Daqui, mais um triste exemplo deste Jornalismo a martelo...

 "Se não aconteceu devia ter acontecido!"

 

"Jornalismo da matilha dos fait-divers

A notícia do Sol podia ser do Correio da Manhã e fazia chorar as pedras da calçada. Dizia assim:

Liliana Melo ficou sem sete dos seus dez filhos há sete meses. Por ordem do Tribunal de Sintra, as crianças, com idades entre os seis meses e os sete anos, foram sujeitas à medida de protecção de menores mais extrema: dadas à confiança para adopção, perdendo todos os vínculos parentais para sempre.
A sentença determinou que as filhas mais velhas ainda menores, na altura com 16 e 11 anos, ficassem com os pais. Mas o tribunal entendeu que a menor de seis meses, os gémeos de dois anos e os irmãos de três, cinco, seis e sete anos estavam em risco, e resolveu retirá-los de casa.
No processo, não há qualquer referência a maus-tratos físicos ou psicológicos ou a outro tipo de abusos. Na sentença, a que o SOL teve acesso, considera-se mesmo que há laços de afectividade fortes na família e refere-se que as filhas mais velhas têm sucesso escolar e estão bem integradas no seu ambiente social. A decisão do Tribunal de Sintra sustenta-se nas dificuldades económicas da família e no facto de a mãe ter desrespeitado o acordo de promoção e protecção de menores ao recusar-se a laquear as trompas.
Tribunal determinou laqueação de trompas.
Esse acordo – proposto pelas técnicas da Segurança Social e homologado pelo juiz – obrigava os pais a tomar uma série de medidas, entre as quais realizar uma operação para não poderem ter mais filhos.

Esta história, mais um fait-divers, gerou escândalo, polémica e os habituais comentários contra os tribunais, contra os poderes do Estado etc etc.
Aparentemente estávamos perante mais um caso de jacobinismo ao contrário. Desta vez a defesa da mãe a quem tiraram os filhos gerou a simpatia da comunidade, assim num instante que leva a ler uma frase numa notícia: "Tribunal tira sete filhos a mãe que se recusou a laquear as trompas".
Se fosse assim tal e qual, talvez houvesse razão para indagar um pouco mais sobre os porquês, mas os comentadores habituais, sabem tudo e de mais alguma coisa e por isso até as forças políticas ( o PS, imagine-se!) querem saber o que se passou, embora a miríade de artures baptistas da silva que pulula nos media já tivesse sentenciado o veredicto contra quem decidiu.

Parece que foi isto, tirado daqui:
Nota de esclarecimento sobre a sentença e o despacho proferidos no processo n.º 8867/05.TMNST
da 2 secção do Juízo de Família e Menores do Tribunal de Sintra
Face às notícias que têm sido veiculadas na imprensa e em articulação com a Sra. juíza presidente do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, presta-se o seguinte esclarecimento sobre as decisões proferidas no âmbito do processo de protecção e promoção de menores n. 8867/05.5TMNST.

 
Este esclarecimento público, dada a matéria em causa e a natureza dos interesses envolvidos, tem natureza excepcional, tendo sido determinado face à relevância do assunto e à necessidade de repor a verdade dos factos.

 
O processo identificado supra é um processo de promoção e protecção de menores instaurado no ano de 2005.
Desde 2007 que o acompanhamento da situação da família em causa concentrou esforços no sentido de se evitar uma situação de separação entre a mãe e os filhos.
Em Junho de 2009, em conferência destinada à obtenção de acordo de promoção e protecção de cinco menores, foi homologado um acordo estabelecido entre os progenitores dos menores em risco, o Procurador da República, a técnica da ECJ e uma responsável do programa "Escolhas", através do qual, com o objectivo de evitar a separação das crianças do seu ambiente familiar, os pais assumiram, voluntariamente vários compromissos.
Entre esses compromissos a mãe dos menores obrigou-se a fazer prova do seu acompanhamento no hospital Fernando Fonseca, no âmbito do seu processo de laqueação de trompas.

 
Como resulta do compromisso assumido, não foi a decisão judicial que obrigou a mãe dos menores a submeter-se a qualquer tratamento ou cuidado médico. A laqueação de trompas foi algo que a mãe havia já aceitado voluntariamente fazer, no âmbito do acompanhamento médico relativo ao planeamento familiar.
Em Maio de 2012 foi proferida decisão que aplicou várias medidas de promoção e protecção a nove menores considerados em risco, entre as quais determinou, relativamente a sete deles, a medida de confiança a instituição para futura adopção. Esta decisão, que refere que a mãe efectivamente não procedeu à laqueação das trompas (o que traduziu uma violação de um compromisso assumido em acordo de promoção e protecção), não determinou a confiança dos menores a uma instituição por essa razão. A decisão foi tomada em virtude da incapacidade dos progenitores em garantir às crianças condições de vida minimamente adequadas, pelo que estas se encontravam em perigo.
O tribunal analisou a situação das diversas crianças e, relativamente àquelas em que era viável continuarem aos cuidados da progenitora, decidiu nesse sentido, impondo algumas condições, nenhuma das quais passava pela laqueação de trompas ou por deixar de gerar filhos.
Após a decisão que aplicou as medidas de confiança a sete das crianças em causa a progenitora deu novamente o seu acordo para ser seguida em consultas de planeamento familiar, o que não lhe foi imposto, antes aceite por si.
asjp.pt | 25-01-2013
Este caso que foi apresentado como uma aberração até pode ter contornos que obrigam a uma reflexão. Porém, o jornalismo que o apresentou como tal merece uma reflexão maior ainda porque já ultrapassa a questão do quem é para bacalhau basta. É agora uma questão de pura e simples cretinice. Mais uma e que tem reflexos importantes na sociedade e em certas instituições em particular, como os tribunais. Não sendo instituições perfeitas, a maioria da população instigada por esta matilha dos fait-divers, jornalistas de meia-tijela, não acredita nos tribunais e desconfia da justiça de modo que em sondagens os juízes aparecem no fundo da tabela da confiança pública nas instituições. Muito por causa deste jornalismo e destes jornalistas que não têm nome, porque será irrelevante, mas têm contribuído de maneira decisiva para a deslegitimação de um poder do Estado que existe para protecção das pessoas. O jornalismo caseiro, ignorante e atrevido não respeita regras elementares para informar. Neste caso, a informação passava pela análise da decisão e a vista ao processo e ponderação com quem sabia o que se tinha passado, sobre a notícia concreta se de facto havia notícia.

Fazer leads ou títulos de notícia ou cachas ou parangonas de primeira página com desinformação é digno de um jornalismo cretino, medíocre e perigoso, até para uma democracia.

Os tribunais deveriam ter esclarecido logo o assunto, mas provavelmente ninguém se sentiu responsabilizado para tal efeito. As consequências, porém, atingem todos os profissionais do foro e com prejuízo para toda a gente.
Os jornalistas, esses, passam por estes fenómenos como se nada fosse com eles, ou elas, particularmente. É incrível.

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