Existem algumas verdades sobre a crise que muitos tentam esconder. Elas
perturbam o mito confortável de que as culpas pertencem a um grupo de
malfeitores, quase todos políticos. O melhor é deixar as coisas como estão, pois
assim todos podemos considerar-nos vítimas, sem arrependimento ou remorso.
Recomenda-se então que não leia o resto deste texto, revelador de factos
subversivos.
Os reformados estão hoje entre os críticos mais vociferantes. Mas seria bom
que notassem que não descontaram o suficiente para as reformas que agora gozam.
Basta uma continha simples para perceber que a contribuição de uma pequena
parcela do ordenado nunca permitiria vir a receber um montante quase igual a
essa remuneração durante um período quase igual ao do desconto. Isto chama-se
"crise da segurança social" e é tema de estudos e debates há décadas.
Pode dizer-se que têm direito a receber o que diz a lei, aliás escrita pela
geração agora reformada. Mas o que não faz sentido é protestar abespinhado
contra o corte como se fosse um roubo dos montantes acumulados. Desde 1974 que o
nosso sistema de pensões não é de capitalização, sendo pagas as reformas pelos
descontos dos trabalhadores do momento. Quando uma geração concede a si própria
benesses superiores ao que pôs de parte, não se deve admirar que mais tarde isso
seja cortado, por falta de dinheiro. Se alguém pode dizer-se roubado, não são os
actuais pensionistas, mas os nossos filhos e netos, que suportarão as enormes
dívidas dos últimos 20 anos, e não apenas na segurança social.
Outro mito cómodo é o que diz que os direitos dos trabalhadores e o Estado
social estão a ser desmantelados. De facto, os direitos que a lei pretendeu
conceder nunca foram dos trabalhadores, mas de alguns trabalhadores. Muitos
empregados no privado nunca tiveram aquilo que agora cortam aos funcionários
públicos. Além disso, a percentagem média de contratados a prazo é, desde 1983,
quase 18%, ultimamente sempre acima dos 20%. Somando isto aos desempregados,
inactivos, clandestinos, etc, vemos a larga privação dos supostos direitos. Os
exageros das regulamentações neste campo são só benefícios que um grupo atribuiu
a si mesmo. Como isso aumenta os custos do trabalho, prejudica fortemente o
crescimento e o emprego, agravando as condições dos mais necessitados.
Quanto ao Estado social, ele teve como principais inimigos aqueles que
durante décadas acumularam supostos direitos sem nunca se preocuparem com o
respectivo financiamento. Aproveitaram os aplausos como defensores do povo,
receberam benefícios durante uns tempos e, ao rebentar a conta, zurzem agora
aqueles que limpam a sujidade que eles criaram. Em todos os temas políticos,
como no campo ambiental, esquecer a sustentabilidade é atentar contra aquilo
mesmo que se diz defender.
Finalmente, no que toca à dívida, é importante considerar que a maior parte
não é do Estado. As empresas estão descapitalizadas, as famílias endividadas, os
bancos desequilibrados. Todos participámos da loucura dos últimos 20 anos; não
apenas os políticos. As maiores responsabilidades são dos dirigentes, mas o povo
não foi só vítima inocente de uma festa de que gozou durante décadas.
A culpa até é dos credores, que alimentaram a mesma loucura. Esta é a última
verdade incómoda. A nossa dívida, das maiores do mundo, nunca poderá ser paga.
Assim, todos os envolvidos terão de suportar algum custo, devendo encontrar-se
uma partilha razoável. Mas para isso Portugal não deve fazer de galaró
arrogante, repudiando o débito ou exigindo renegociações. Prudente é uma atitude
serena e negociada, mostrando que es- tamos dispostos a assumir culpas e
suportar sacrifícios, mas pedindo que se encontre um equilíbrio que, aliviando
parte da carga, nos permita limpar o longo disparate e abrir um novo ciclo de
progresso e prosperidade que beneficiará tanto credores como devedores.
Estas são algumas verdades do momento. Indiscutíveis, mas incómodas, que
muitos preferem ignorar. Por isso foi avisado que não devia ler este texto.