Em 1890, Portugal vivia um clima conturbado e de grande agitação social. Desde 1880, o País via-se a braços com uma grave crise financeira - em diversos planos, semelhante à actual, nomeadamente, a incapacidade de pagar a dívida contraída nas décadas anteriores. Os factores que mais contribuíram para esta crise foram:
- a entrada no mercado interno de produtos industriais a baixo preço, fruto de uma maior liberalização a partir da 2ª metade do Séc. XIX (livre-cambismo);
- a escalada do endividamento externo (situação que, 2 anos depois, culminaria na declaração de bancarrota do Estado português).
Neste contexto, a 11 de Janeiro, é decretado o Ultimatum inglês, acontecimento que muito contribuiu para a causa republicana e para a explosão dos movimentos de contestação ao regime monárquico de então. Por todo o País são organizados protestos que atribuam ao inimigo externo e ao governo de então, todas responsabilidades pela grave crise nacional…
Os paralelismos com o período actual são óbvios: substitua-se o “inimigo externo”, Inglaterra, pela Troika / Alemanha); o período do “livre-cambismo”, pelo processo de entrada no mercado único europeu e, mais recentemente, no Euro / moeda única; e atente-se na actualidade do artigo então escrito por Antero de Quental, “Expiação”:
«Portugal expia, com a amargura deste momento de humilhação e ansiedade, 40 anos de egoísmo, de imprevidência e de relaxamento dos costumes políticos – quarenta anos de paz profunda que uma sorte raríssima nos concedeu e que só soubemos malbaratar na intriga, na vaidade, no gozo material em vez de os aproveitar no trabalho, na reforma das instituições e no progresso das ideias. Sob o insulto imprevisto esta nação parece agora acordar: mas é necessário que o protesto nacional seja ao mesmo tempo um acto de contrição da consciência pública: Reconhecer os erros passados será já um começo de emenda e temos muito e muito que emendar.
O nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos. Só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso, pode afirmar o contrário. Declamar contra a Inglaterra é fácil; emendarmos os defeitos gravíssimos da nossa vida nacional será mais difícil; mas só essa reforma será honrosa, só ela salvadora.
Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser efectiva e fecunda, deve partir de dentro e do mais fundo do nosso ser colectivo; deve ser, antes de tudo, uma reforma dos sentimentos e dos costumes.
Enganam-se os que julgam garantir o futuro e assegurar a nacionalidade com meios exteriores e materiais (…) Uma era nova começou para esta Nação, que acorda, como de um sonho, do seu optimismo egoísta e banal.»
Pelas transformações que sobrevieram, é possível afirmar que uma “reforma dos sentimentos e dos costumes” foi operada. No entanto , não parece que seja a que Antero aqui invocava… Nas décadas que se seguiram, assistiu-se à agonia e queda da monarquia, ao nascer da (breve e tumultuosa) 1ª República, o fim da ilusão de uma democracia e os 40 anos de Estado Novo.
Pelas transformações que sobrevieram, é possível afirmar que uma “reforma dos sentimentos e dos costumes” foi operada. No entanto , não parece que seja a que Antero aqui invocava… Nas décadas que se seguiram, assistiu-se à agonia e queda da monarquia, ao nascer da (breve e tumultuosa) 1ª República, o fim da ilusão de uma democracia e os 40 anos de Estado Novo.
E a nós, o que nos reserva o futuro?
NOTA: Este artigo de Antero era dissonante da "corrente dominante" e de uma opinião pública fortemente influenciada por uma elite intelectual de jornalistas, conotada com os ideais republicanos, que muito contribuiu para o enfraquecimento dos monárquicos e a implantação do regime republicano.