A relevância atribuída no espaço mediático aos que se têm dedicado a combater Isabel Jonet e as interpretações das suas palavras, é bem sintomático do clima de “guerrilha ideológica” que tomou conta da cobertura mediática do debate político em Portugal.
Na verdade, vê-se pouca gente interessa a na discussão do conteúdo dessas declarações, o que suscita o nível de “reacção” às mesmas é o seu significado político, designadamente, a circunstância de tais opiniões suportarem uma das linhas mestras do discurso do Governo – o célebre “gastamos, durante anos, acima das nossas possibilidades”.
Vejamos, independentemente das convicções e interpretações pessoais relativamente ao pensamento e às palavras de Isabel Jonet, se abandonarmos esse terreno subjectivo e questionarmos:
- Portugal está melhor ou pior, em virtude das suas acções?
- Se I. Jonet não tem responsabilidade no estado de calamidade a que o País chegou, faz sentido dedicar tanto escrutínio e tanta energia na fiscalização da sua conduta, em detrimento daqueles que, objectivamente, conduziram o país à atual crise?
- E, finalmente, atendendo aos problemas existentes no País, que vantagens para a sociedade portuguesa advirão da depreciação da sua imagem perante a opinião pública? E desvantagens?
Não é preciso pensar como Isabel Jonet para reconhecer que esta personalidade está “do lado da solução”, e não, “do lado do problema”. Como é possível, com tanta espécie de vilão neste cantinho que é Portugal, ser esta personalidade a suscitar tantos anticorpos, indignação e comentários insultuosos até?!
Porquê tanta polémica se, há anos – ler esta entrevista de2008 - são conhecidas as suas posições e as mesmas nunca tinham suscitadopolémica? Apenas, porque, ao combater I. Jonet e as suas declarações, a "esquerda", com a habitual colaboração do “jornalismo militante”, está apenas a travar mais uma frente na sua batalha contra a "direita" e o governo…
Esta polémica, voltando ao tal sintoma de “guerrilha ideológica”, é apenas mais uma evidência de que nenhum assunto neste País é debatido pelo tema em si, mas pelos contornos políticos do mesmo.
Mas, o que está na origem deste sobressalto constante nos media?
Normalmente, o nível de conflitualidade perceptível no espaço mediático segue um ciclo: quando um determinado governo toma posse, conta com um período de “estado de graça” e o clima nos jornais, rádio, tv, etc., é relativamente calmo. Depois, normalmente, com a deterioração da situação económica, o nível de conflitualidade cresce e, rapidamente, as manchetes na imprensa e as aberturas dos telejornais passam a ser dominados pela “polémica do dia”…
NOTA: Uma evidência que o tratamento mediatico da “esquerda” e da “direita”, não é ideologicamente imparcial, prende-se com a validade desse “estado de graça”… basta recordar o governo de Sócrates que, mesmo nas eleições de 2009, tinha ainda muita comunicação social consigo. Só em meados de 2010, com o abismo já próximo, é que muitos jornalistas acordaram para a realidade… Compare-se o contraditório da comunicação social aos primeiros 4 anos da governação de Sócrates (o pai da bancarrota), por ex., com os do governo de Barroso e Ferreira Leite (isto para não falar naqueles meses caóticos de Santana Lopes…).
Terminada a validade do “estado de graça”, mais rápido para uns que para outros... este clima de sobressalto é mantido por uma agenda noticiosa que, invariavelmente, está focada nas polémicas, em intrigas entre hipotéticos “vencedores” e “derrotados” das mesmas, em vez de na análise objectiva do assunto em questão.
A esta causa de cariz mais ideológica, há que juntar outra causa mais cultural e que torna qualquer debate na sociedade portuguesa numa verdadeira “luta de galos”. (Aviso! Isto vai soar muito moralista…) Dizer mal de algo ou alguém, é o desporto favorito de muitos portugueses… Existe demasiada gente frustrada, com assuntos mal resolvidos e, talvez movidos por alguma inveja, demonstam uma necessidade de dizer mal de tudo e de todos (alguns ataques a Jonet também são um exemplo disto) enfim, de "nivelar tudo por baixo".
Pena é que a dita “elite” - onde se incluem os fazedores de opinião, os jornalistas, i.e., quem tem a responsabilidade de definir a agenda noticiosa e os assuntos discutidos diariamente (as manchetes, as aberturas de telejornal, etc.), não tenha um papel mais pedagógico no sentido de contrariar esta propensão nacional para a maledicência.
Obviamente e assumindo que os cidadãos precisam é que lhes resolvam os problemas e não de embustes ideológicos, este clima de conflitualidade e “guerrilha” só prejudica a tomada das melhores decisões para uma sociedade. Aliás, como se constata em algumas situações enumeradas aqui no blogue, a comunicaçãosocial parece ser a primeira interessada em introduzir ruído nas discussões. A sua acção contribui activamente para um clima onde a substância dos assuntos é o menos relevante, o que lhe importa é destacar quem “recuou”, quem “cedeu”, se foi a “direita” a vencedora ou se foi a “esquerda”.
Outro efeito pernicioso deste tipo de cobertura mediática dos assuntos, é o facto de se falar imenso do que é acessório, mas não se chegar a conclusão nenhuma acerca do essencial! Todos os dias há uma polémica nova (hoje é a tap, ontem foram as pensões, anteontem a rtp e antes disso era o fim do ensino gratuito …), passam-se horas a falar de rumores, avanços, recuos, ligações suspeitas, etc., não se fala de nenhum assunto com o mínimo de profundidade e no dia seguinte, tal como os peixes a cada volta ao aquário, acordamos para outra polémica.
Esta circunstância contribui para a criação de uma espécie de amnésia colectiva, favorável a que, por exemplo, alguns governantes possam mudar de opinião sobre qualquer matéria (conforme estejam no governo ou na oposição e ao sabor do que é mais simpático e popular, claro) e até ilibarem-se das suas responsabilidades e/ou má governação. Até conseguem atirar culpas e responsabilidades para quem nunca teve responsabilidades governativas...
E assim, com a cumplicidade de largas franjas da comunicação social, em Portugal é perfeitamente normal ver, quem governa hoje e defende a opção “A”, amanhã caindo na oposição, rapidamente, transformar-se no maior opositor dessa mesma opção… familiar?
“O que determina verdadeiramente o Homem não
são as palavras e sim as acções”