Dentro de umas semanas, voltará a “nuvem negra” associada à preparação e anúncio das medidas de um novo Orçamento de Estado sob resgate. Desta vez o de OE2014.
Até agora, o discurso da oposição tem-se centrado em dois pilares: a luta contra as “políticas de austeridade” e a defesa dos direitos estabelecidos na Constituição. Com os recentes sinais positivos da economia é de prever que “todas as baterias” passem a centrar-se no segundo ponto.
Por mais de uma vez se abordou este assunto aqui no blog, nomeadamente, o conflito existente entre a rigidez do que a Constituição prevê e as transformações de que Portugal precisa – leia-se, - redução da despesa pública.
Desta feita, o presente post, debruça-se sobre uma expressão recorrente na comunicação social - a “fiscalização preventiva”, da medida A ou da medida B. Pergunta-se, será mesmo “preventiva”?...
A este propósito, recuemos até Junho para acompanhar um tema que esteve em discussão na Alemanha. Discutia-se, então, o mecanismo de compra de dívida soberana pelo Banco Central Europeu que, segundo um grupo de cidadãos alemães, poderia violar a Constituição alemã.
Este mecanismo, destinado sobretudo à aquisição de dívida soberana dos países em dificuldade (Portugal, Espanha, Itália e Grécia), comporta riscos para os cidadãos e contribuintes alemães, nomeadamente, uma eventual factura sobre as gerações seguintes. Ora se esta factura, se este risco, representa uma ameaça aos direitos dos cidadãos alemães previstos na sua Constituição, quem pode discordar desta análise prévia às decisões do governo alemão?
Isto sim, trata-se de “fiscalização preventiva”.
Nós, portugueses, depois de anos, de décadas, sucessivas de péssima gestão da “coisa pública” sob o signo do “Festeje hoje como se não houvesse amanhã”, como são símbolo: o CCB, os estádios do Euro, a Expo 98, a sede da caixa geral de depósitos (à época, a maior sede de um banco na Europa), ou os casos mais recentes – e por isso mais graves pois, desde há 1 década, se adivinhava o beco sem saída para que se encaminhavam as nossas contas públicas – como os milhares de km de auto-estradas (sem custo para os utilizadores, lembram-se?...), as eólicas que penteiam qualquer serra portuguesa (e que determinam as rendas da edp e outras eléctricas), a “festa” do Parque Escolar, o novo Aeroporto de Beja, etc., etc….
Contudo, não é apenas nas obras públicas feitas à custa de dívida (que mais tarde alguém pagaria…), e de empreitadas que custam sempre 2X, 3X, 10X, mais que o inicialmente anunciado, que se esgotam os exemplos de negligência e desrespeito pela gestão dos recursos públicos. Veja-se como ao longo dos anos o Estado distribuía subsídios como se esse dinheiro não fosse retirado do bolso de uns portugueses para ser entregue a outros: o rendimento mínimo, depois RSI, deveria sempre ser apresentado como uma ajuda temporária e não permanente. Portugal, ainda hoje, é um sítio onde os subsídios garantem uma vida mais confortável que o salário mínimo!
Outra prática, bem conhecida e que nos deve fazer pensar sobre o nosso sistema de pensões, era o “simpático” costume de aumentar principescamente os salários dos funcionários púbicos nas vésperas de estes se reformarem. Recorde-se que até 2005, um trabalhador do Estado reformava-se com uma pensão idêntica ao seu último vencimento – que direito constitucional existirá nestes casos de manter, à custa dos rendimentos de alguns cidadãos, os privilégios assim angariados de outros?!
Em resumo, durante anos Portugal comportou-se como aquelas famílias que vão contraindo dívidas com empréstimos pessoais, para saldar a dívida do cartão de crédito, pagar as férias, a renda da casa. As decisões tomadas nunca tiveram em consideração os seus efeitos nos direitos dos cidadãos, nomeadamente, nos direitos daqueles que no futuro pagariam a factura. Em diversas ocasiões, pareceu que o dia da inauguração era o horizonte temporal do investimento...
Enquanto nos emprestavam novos montantes, apesar de os juros e da dívida se irem acumulando, foi possível continuar assim. Mas isso acabou…
A dívida contraída entre 2005 e 2011, ditou um aumento superior a 4.000 M € no montante de juros que Portugal tem de pagar anualmente aos seus credores. Curiosamente (ou talvez não…) é precisamente esse, o valor que agora se aponta como necessário cortar na despesa pública, no “Estado Social” …
Aqueles que agora clamam pela “fiscalização preventiva” desta e daquela medida, onde estavam, quando as opções que agora sobrecarregam os portugueses e ditam a supressão parcial dos seus direitos, foram tomadas?! Alguns estavam a apoiá-las e até fizeram belos discursos nas pomposas inaugurações que víamos nos telejornais. Alguns até são seus co-autores…
Na Alemanha, existe esse conceito estranho: que “direitos” implicam “deveres”. Se a Constituição prevê um conjunto de direitos, “fiscalização preventiva” trata-se de examinar previamente as medidas e decisões, cujo resultado podem colocar em causa os tais direitos constitucionais.
Em Portugal, como sociedade imatura e irresponsável que, infelizmente, ainda demonstramos ser, preferimos passar anos a assobiar para o lado e, só quando a realidade “nos cai em cima”, quando se verifica que não dispomos de recursos para saldar os compromissos assumidos, vimos invocar que ninguém nos pode “roubar” este e aquele direito… isso seria anticonstitucional!
Portugal teve a sua 1ª bancarrota em 77/78, anos mais tarde a 2ª e, em 2011 - não terá sido por falta de aviso -, a 3ª. Daí achar sempre curioso como, estando Portugal em situação de emergência e a viver de dinheiro emprestado pela “troika estrangeira” (ajuda, sem a qual, estaríamos a passar por cortes e privações bem maiores), se utiliza candidamente a expressão “fiscalização preventiva”, como se fosse esta a altura para estarmos vigilantes... não vá algo de mal acontecer-nos!
Enfim, por alguma razão a Alemanha é a Alemanha, e Portugal é Portugal...
Enfim, por alguma razão a Alemanha é a Alemanha, e Portugal é Portugal...