20 setembro, 2013

O “Estado Garantista” e o “Estado Ladrão”: dois lados da mesma moeda.


“O aumento da taxa de IVA na restauração para 23% "cumpriu o objectivo de consolidação orçamental", gerando um encaixe esperado de 600 milhões de euros entre 2011 e 2013, o que significa que a receita cresceu 140% neste período.”

Interessantes os dados económicos resultantes de um estudo realizado sobre o sector da restauração. A receita fiscal deste sector em 2011 (antes da passagem dos 13% IVA para os 23%) foi de 250 Milhões de Euros. Estima-se que este ano passe para os 600 Milhões.

O aumento do IVA, representa um incremento de imposto de 77%, no entanto, os estudos efectuados apontam para uma redução do volume de negócio de 25% 
Com umas contas de merceeiro, considerando uma redução de 25% da actividade e um aumento de tributação de 77%, a receita deveria rondar os 340 milhões… como explicar então a diferença de cerca de 250 milhões até ao encaixe previsto de 600 Milhões?!

Só pode existir uma explicação: redução da evasão fiscal.

Não deixa de ser curioso que muito se fale no sector da restauração como uma vítima de “saque fiscal” e se omita esta realidade (enfim, talvez porque não ajude a “narrativa” anti-governo…). Obviamente, o raciocínio em cima é demasiado simplista, mas alguém tem dúvidas que a fuga ao fisco neste sector atingia as centenas de milhões de Euros todos os anos?

E, assim sendo, que “moral” têm os empresários deste sector, quando pedem ao Governo "medidas que reforcem o poder de compra dos portugueses" quando, ao longo de anos a fio, pela fuga fiscal verificada no seu sector, levaram o Estado a sobretaxar esses mesmos cidadãos?…

Quando irá a sociedade portuguesa perceber que os direitos de um grupo são garantidos - não graças a uma entidade a que chamam “Estado” - mas, à custa dos direitos de outro grupo.

Neste caso, as centenas de milhão de € anuais, que os empresários da restauração não entregaram ao Estado, poderiam ter significado taxas mais reduzidas de IRS, menos cortes nos serviços de educação, nos serviços de saúde, maior protecção social, etc..



O “Estado”, enquanto entidade que pode financiar este e aquele direito, não existe! O dinheiro vem sempre do bolso dos contribuintes.

Outro caso flagrante desta ilusão em que muitos cidadãos ainda vivem – talvez pela forma como a comunicação social aborda as questões, dando a ideia que o Estado tudo pode garantir - relaciona-se com o corte de 10%  sobre as pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA), na componente anterior a 2005.

Já perdi a conta ao número de vezes que ouvi a classificação da medida como “imoral”, vejamos então onde anda a “moral” nesta estória… Note-se que o sistema de pensões português não é de capitalização, i.e., não faz sentido aquela frase “descontei toda a vida para a minha pensão”, isso não existe. A situação é tão simplesmente esta: existe um grupo de cidadãos (reformados) que aufere um valor de pensão que é pago com os descontos dos restantes cidadãos (activos). Como estes descontos não chegam para cobrir a despesa com pensões, o restante é pago com transferências do orçamento de estado (impostos). Mais concretamente, os descontos para a CGA só cobrem uma parte (cerca de 40%) dos custos do mesmo sistema, isto determina que, actualmente, 60% das pensões da função pública (CGA) já são financiadas pelos impostos pagos por todos os portugueses e não pelos descontos efectuados pelo sistema da CGA.


Por razões já aqui abordadas, com as mudanças ocorridas na sociedade ocidental (e portuguesa em particular), o sistema de pensões tornou-se completamente insustentável e, desde há alguns anos, correcções têm sido introduzidas de forma a fazer convergir o sistema de pensões da CGA com o RGSS (Regime Geral da Seg. Social). Por ex., um funcionário público que se reforma-se até 2005, teria uma pensão superior ao seu último salário (pensão = 100% do salário, mas fazia menos descontos). A partir de 2006, foi introduzido um factor que fez a pensão corresponder a 89% do último vencimento. O corte de 10% nessas pensões que agora se discute, resulta de uma alteração desse factor de 89% para 80%.
Actualmente, estudos apontam para que um cidadão activo que hoje tenha menos de 50 anos, tenha no futuro uma reforma de 50% - 40% (quem sabe?...) desse mesmo vencimento.

Mais uma vez, não é o “Estado” quem “paga as pensões”, são os contribuintes que o fazem - melhor - existe um conjunto de contribuintes que paga e outro que recebe. Assim, pergunta-se: com que "moral" se pode exigir a um grupo de cidadãos que terá uma pensão de 40% do seu vencimento (RGSS), que sustentem os “direitos adquiridos” de um outro grupo que continuará a receber 89% (CGA)? Será “moral” esta desigualdade de direitos entre cidadãos "iguais"? Será constitucional, a manutenção de um grupo de cidadãos de 1ª classe e outro de cidadãos de 2ª?!

Outro dado interessante que é revelador das diferenças existentes entre aqueles que recebem uma pensão da CGA e do RGSS, é este “pequeno” facto: a pensão média na CGA é 3 vezes superior à pensão média do RGSS. Também se poderia falar nos anos de trabalho efectivo que, um grupo e o outro, tiveram de realizar para terem direito ao “cheque”…


Em conclusão, ninguém deseja uma "guerra de classes ou de gerações", mas negar que esse conflito existe é que pode constituir a verdadeira bomba relógio. O tema é melindroso, mas será indispensável chegar um compromisso, uma solução, o mais justa e equilibrada possível.

Salientar a coragem e honestidade, do Dr. Silva Lopes (insuspeito neste caso), ao comentar esta situação:

“A geração grisalha não pode estar a asfixiar a geração nova da maneira como tem feito até aqui. Não pode ser. Eu sou pensionista, sou da geração grisalha, quem me dera a mim que não toquem nas reformas, mas tocam, vão tocar e eu acho muito bem. Não há outro remédio”, defende Silva Lopes.”