Num dia em que alguns jornalistas fazem o seu usual jogo de insinuações em torno do “empobrecimento” - concretizando, sugerindo que esse era / é, um objectivo de Passos Coelho -, nada melhor que o seguinte artigo para demonstrar, não só as suas raízes, mas também porque o mesmo processo de empobrecimento seria inevitável.
"Dia 24 de Dezembro: durante toda a sua vida, o perú viu o dono trazer-lhe comida diariamente. Sem motivos para desconfiar, nunca o perú se sentiu tão confiante (e tão gordo) como naquele dia. Foi mais ou menos neste estado que deixei o País quando escolhi emigrar em 2007.
Nesse ano Portugal teve o seu menor défice público em 30 anos e a economia registou um crescimento decente de 2,4%. Decente sim, mas ilusório: o crescimento insustentável suportado em dívida pública e privada tinha deixado o País vulnerável a qualquer abalo. Quando em 2008 esse abalo financeiro aconteceu, o País não estava preparado e, tal como o perú na véspera de Natal, dirigiu-se para a foice na expectativa de voltar a ser alimentado.
A sociedade portuguesa moldou-se ao longo de décadas a um modelo estatista de economia e organização social. Os mecanismos comunitários de solidariedade foram substituídos por políticas centralistas, desfazendo o tecido social local. Os empresários aprenderam que o seu esforço seria mais bem aplicado a tentar obter subsídios do Estado do que a investir e inovar. Pessoas capazes e competentes trocaram os seus empregos no sector privado pela estabilidade e horários fixos de um emprego na Função Pública. A economia afastou-se progressivamente do seu potencial de crescimento, dedicando mais recursos à repartição e actividades pouco produtivas do que à produção. A subsidiodependência tornou-se no grande pilar oco da economia: do beneficiário do RSI ao construtor civil, todos se habituaram a ver no Estado o principal garante da sua sobrevivência.
Porém, não se deve cair no erro da culpabilização individual daqueles que beneficiaram de um Estado gordo: os portugueses limitaram-se a seguir os incentivos que lhes foram dados. Por muito ineficiente que fosse para o País como um todo, porque haveria um empresário de recusar um subsídio estatal colocado ao seu dispor? Porque haveria um professor recusar receber salário por um horário-zero? Todos responderam a incentivos, mas todos foram enganados. Reformados, trabalhadores e empresários que basearam as suas decisões de vida no pressuposto de que o Estado teria sempre dinheiro, vêem hoje essas expectativas frustradas.
Já não será possível voltar atrás para impedir a dor do ajustamento por que todas essas pessoas terão que passar hoje. Mas é possível evitar que tal volte a acontecer no futuro, insistindo numa mudança agressiva de incentivos. Certamente não será por iniciativa partidária que tal acontecerá. Os partidos de governo, entre a falta de coragem e os obstáculos constitucionais, foram incapazes de reformar o País enquanto tinham a boa vontade política para o fazer, tendo-se dedicado a remendos nas contas públicas, penalizando fiscalmente a actividade produtiva privada que resta. Já os partidos da oposição vão admitindo implicitamente a cada discurso que não têm qualquer alternativa, que a ideologia que defendem é incompatível com a matemática e a realidade financeira do País. Escondido por trás de eufemismos como "renegociação" e "flexibilização de metas", está a admissão implícita de que a aplicação da sua ideologia está dependente da boa vontade de contribuintes estrangeiros.
Perante este cenário, alguns mais desiludidos poderão cair na tentação de defender soluções que não incluam partidos. Mas é uma ilusão: a ausência de democracia não só não resolveria a situação, como estenderia a dor a áreas da sociedade que se mantêm saudáveis. Em vez disso, seria desejável um novo tipo de democracia, uma democracia de cidadãos desconfiados que percebam que a delegação através do voto não substitui a tomada de responsabilidade individual [ou seja, como os alemães, dinamarqueses e outros com os quais gostamos de nos comparar...]. Uma democracia de cidadãos desconfiados que entendam que não podem deixar que uma parte tão importante da sua vida dependa de decisões políticas. Os partidos, como os indivíduos que os compõem, respondem a incentivos, neste caso a incentivos eleitorais. Quando os partidos se aperceberem que o seus eleitores querem menos, não mais, Estado nas suas vidas, adaptarão as suas propostas a essa realidade [não me parece que vá suceder...]. Ou seja, a grande mudança na política partidária acontecerá apenas quando mudar a mentalidade dos eleitores. Quando os portugueses se aperceberem que estarão melhor ao tomar as decisões importantes da sua vida em vez de as delegar num Estado ineficiente e inerentemente corrupto, os partidos também mudarão.
Paradoxalmente, o falhanço do Estado como pilar da economia e da sociedade tem sido argumento para alguns virem pedir ainda mais Estado. Felizmente, são cada vez menos. No meu eterno optimismo, espero que essa venha a ser a mais importante lição retirada desta crise e que quando regressar ao País venha a encontrar uma renovada mentalidade de liberdade e responsabilidade individual. Uma mentalidade liberal no eleitorado que force os partidos políticos a devolver ao indivíduo, à família e à comunidade a responsabilidade e respectiva liberdade de decidir o seu destino. Um perú pode não ter uma segunda hipótese, mas um país terá sempre."
Nesse ano Portugal teve o seu menor défice público em 30 anos e a economia registou um crescimento decente de 2,4%. Decente sim, mas ilusório: o crescimento insustentável suportado em dívida pública e privada tinha deixado o País vulnerável a qualquer abalo. Quando em 2008 esse abalo financeiro aconteceu, o País não estava preparado e, tal como o perú na véspera de Natal, dirigiu-se para a foice na expectativa de voltar a ser alimentado.
A sociedade portuguesa moldou-se ao longo de décadas a um modelo estatista de economia e organização social. Os mecanismos comunitários de solidariedade foram substituídos por políticas centralistas, desfazendo o tecido social local. Os empresários aprenderam que o seu esforço seria mais bem aplicado a tentar obter subsídios do Estado do que a investir e inovar. Pessoas capazes e competentes trocaram os seus empregos no sector privado pela estabilidade e horários fixos de um emprego na Função Pública. A economia afastou-se progressivamente do seu potencial de crescimento, dedicando mais recursos à repartição e actividades pouco produtivas do que à produção. A subsidiodependência tornou-se no grande pilar oco da economia: do beneficiário do RSI ao construtor civil, todos se habituaram a ver no Estado o principal garante da sua sobrevivência.
Porém, não se deve cair no erro da culpabilização individual daqueles que beneficiaram de um Estado gordo: os portugueses limitaram-se a seguir os incentivos que lhes foram dados. Por muito ineficiente que fosse para o País como um todo, porque haveria um empresário de recusar um subsídio estatal colocado ao seu dispor? Porque haveria um professor recusar receber salário por um horário-zero? Todos responderam a incentivos, mas todos foram enganados. Reformados, trabalhadores e empresários que basearam as suas decisões de vida no pressuposto de que o Estado teria sempre dinheiro, vêem hoje essas expectativas frustradas.
Já não será possível voltar atrás para impedir a dor do ajustamento por que todas essas pessoas terão que passar hoje. Mas é possível evitar que tal volte a acontecer no futuro, insistindo numa mudança agressiva de incentivos. Certamente não será por iniciativa partidária que tal acontecerá. Os partidos de governo, entre a falta de coragem e os obstáculos constitucionais, foram incapazes de reformar o País enquanto tinham a boa vontade política para o fazer, tendo-se dedicado a remendos nas contas públicas, penalizando fiscalmente a actividade produtiva privada que resta. Já os partidos da oposição vão admitindo implicitamente a cada discurso que não têm qualquer alternativa, que a ideologia que defendem é incompatível com a matemática e a realidade financeira do País. Escondido por trás de eufemismos como "renegociação" e "flexibilização de metas", está a admissão implícita de que a aplicação da sua ideologia está dependente da boa vontade de contribuintes estrangeiros.
Perante este cenário, alguns mais desiludidos poderão cair na tentação de defender soluções que não incluam partidos. Mas é uma ilusão: a ausência de democracia não só não resolveria a situação, como estenderia a dor a áreas da sociedade que se mantêm saudáveis. Em vez disso, seria desejável um novo tipo de democracia, uma democracia de cidadãos desconfiados que percebam que a delegação através do voto não substitui a tomada de responsabilidade individual [ou seja, como os alemães, dinamarqueses e outros com os quais gostamos de nos comparar...]. Uma democracia de cidadãos desconfiados que entendam que não podem deixar que uma parte tão importante da sua vida dependa de decisões políticas. Os partidos, como os indivíduos que os compõem, respondem a incentivos, neste caso a incentivos eleitorais. Quando os partidos se aperceberem que o seus eleitores querem menos, não mais, Estado nas suas vidas, adaptarão as suas propostas a essa realidade [não me parece que vá suceder...]. Ou seja, a grande mudança na política partidária acontecerá apenas quando mudar a mentalidade dos eleitores. Quando os portugueses se aperceberem que estarão melhor ao tomar as decisões importantes da sua vida em vez de as delegar num Estado ineficiente e inerentemente corrupto, os partidos também mudarão.
Paradoxalmente, o falhanço do Estado como pilar da economia e da sociedade tem sido argumento para alguns virem pedir ainda mais Estado. Felizmente, são cada vez menos. No meu eterno optimismo, espero que essa venha a ser a mais importante lição retirada desta crise e que quando regressar ao País venha a encontrar uma renovada mentalidade de liberdade e responsabilidade individual. Uma mentalidade liberal no eleitorado que force os partidos políticos a devolver ao indivíduo, à família e à comunidade a responsabilidade e respectiva liberdade de decidir o seu destino. Um perú pode não ter uma segunda hipótese, mas um país terá sempre."