A propósito do falecimento do general Pires Veloso, recomenda-se vivamente a leitura de dois artigos (da autoria de Rui Ramos e Paulo Rangel) que abordam uma das temáticas prediletas aqui do blog e que raramente são abordadas na agenda mediática: o aparente “tabu” do conflito entre dois modelos de sociedade e de desenvolvimento existentes em Portugal, vulgo, “Lisboa Vs Resto do País”.
O norte da democracia, por Rui Ramos
“…As eleições de 25 de Abril de 1975 foram a primeira grande surpresa. Afinal, os portugueses não queriam todos a mesma coisa. Os distritos a norte do Tejo votaram em massa, e votaram no PS e sobretudo nos partidos à sua direita, o PPD de Sá Carneiro e o CDS de Freitas do Amaral. O PCP, no auge da sua influência sobre as forças armadas e o Estado, teve votações ridículas nalguns dos distritos mais populosos do continente: em Viseu, por exemplo, 5 mil votos (2%), contra 100 mil para o PPD (44%), 50 mil para o PS (21%) e 40 mil para o CDS (17%).
Como se sabe, a votação animou o PS, o PPD e o CDS, mas nem por isso comoveu o PCP e a extrema-esquerda, que, sustentados nos quartéis de Lisboa, prosseguiram a ocupação do país.
[…]
O norte era de facto outro país. Perante um sul de funcionários públicos e de latifúndios e grandes empresas — propriedades de velhas famílias protegidas pela ditadura, e depois nacionalizadas pela revolução –, estava este outro país de pequenos agricultores, pequenos empresários e emigrantes, na maior parte self-made men, ciosos das suas propriedades, ligados desde a década de 60 à Europa ocidental pelas exportações e pela migração, e unidos em comunidades ferozmente independentes, à volta das suas autoridades religiosas tradicionais. E curiosamente, era também a norte que estava a maioria da “classe operária”, não em grandes unidades industriais, mas em pequenas fábricas espalhadas pelos campos.
...”
O mundo esquecido que Pires Veloso representa, por Paulo Rangel
O mundo esquecido que Pires Veloso representa, por Paulo Rangel
"1. Morreu Pires Veloso. Não vou aqui evocar o militar, nem sequer o homem. O que me interessa ressaltar em Pires Veloso, mais do que o exacto lugar no processo revolucionário ou a dimensão ética da sua personalidade, é o mundo esquecido, ostensivamente esquecido, que ele representa. E curiosamente o mundo que ele representa, apesar de ele ter sido um militar, é o mundo da sociedade civil.
Uma sociedade civil, resistente, inconformada, organizada numa rede de malha densa. Uma sociedade civil que foi capaz de ousar a mudança e que o fez com plena consciência dos riscos. Uma sociedade civil que, pela sua acção quotidiana e discreta, típica de uma maioria silenciosa, foi capaz de impedir a deriva totalitária do PREC.
[…]
2. Essa sociedade civil que o mítico comandante da Região Militar do Norte tão bem representa, porque foi em certo momento o catalisador das suas ânsias, ansiedades e anseios, é afinal a sociedade civil que, por via de regra, sociólogos e outros académicos dão por inexistente em Portugal. Sempre me suscitou grande perplexidade que a academia portuguesa, tão empenhada em estudar os grupúsculos de extrema-esquerda e o seu papel antes e depois da revolução, tão dedicada a investigar os crimes da polícia política e o destino posterior dos seus agentes, nunca se debruce sobre os movimentos e fenómenos sociais (ou, mais precisamente, sociológicos) que consubstanciaram o suporte à via moderada e pró-ocidental que saiu vencedora da querela revolucionária. Se fizesse esse estudo e se o fizesse cabal e competentemente, estou convencido que rapidamente se desvaneceria essa ideia feita de que Portugal não tem uma verdadeira sociedade civil ou de que a nossa sociedade civil é frágil, fruste e fraca.
…”
Para terminar, pensemos nestes dois modelos de sociedade: o modelo corporizado pela capital – economicamente e administrativamente, centralista e naturalmente propenso aos grandes grupos económicos -, por oposição ao modelo representado pelo Norte e Centro do país, nomeadamente, com os seus pequenos e médios empresários, pequenos e médios industriais e agricultores.
…”
Para terminar, pensemos nestes dois modelos de sociedade: o modelo corporizado pela capital – economicamente e administrativamente, centralista e naturalmente propenso aos grandes grupos económicos -, por oposição ao modelo representado pelo Norte e Centro do país, nomeadamente, com os seus pequenos e médios empresários, pequenos e médios industriais e agricultores.
Qual entre estes DOIS modelos melhor serve o “caldo de interesses” que alimenta a corrupção, os BPN e os BES desta vida?!...
Recordar os principais posts sobre a temática “Lisboa Vs Resto do País”:
“Portugal, Lisboa e o Resto do País - 1ª Parte.
Há uma parte do País que ficou suspensa na "quimera do 25 de Abril", nos ideais e conquistas que, apesar de muita fé revolucionária, nunca se concretizaram. Essa facção, órfã de uma espécie de “Sebastianismo Abrilista”, está fortemente enraizada na capital e continua a dominar uma parte importante do aparelho centralista do Estado, com o qual se entrelaça e onde angariou os seus privilégios.
Há uma parte do País que ficou suspensa na "quimera do 25 de Abril", nos ideais e conquistas que, apesar de muita fé revolucionária, nunca se concretizaram. Essa facção, órfã de uma espécie de “Sebastianismo Abrilista”, está fortemente enraizada na capital e continua a dominar uma parte importante do aparelho centralista do Estado, com o qual se entrelaça e onde angariou os seus privilégios.
..."
“Do "Portugal silencioso"...
À custa desta estrutura, sustentada com os impostos de TODOS os portugueses, cresceu uma economia "pseudo-privada": um sector de serviços ancorado nos gabinetes de "grandes" advogados & seus pareceres, nos escritórios da banca e das consultoras internacionais, das administrações das empresas públicas e das ex-públicas (edp, pt, galp...) que, mesmo anos depois da sua privatização, continuaram com as benesses e os monopólios que só a proximidade (promiscuidade...) com o poder lhes garantiu (e garante)..."
“Do "Portugal silencioso"...
À custa desta estrutura, sustentada com os impostos de TODOS os portugueses, cresceu uma economia "pseudo-privada": um sector de serviços ancorado nos gabinetes de "grandes" advogados & seus pareceres, nos escritórios da banca e das consultoras internacionais, das administrações das empresas públicas e das ex-públicas (edp, pt, galp...) que, mesmo anos depois da sua privatização, continuaram com as benesses e os monopólios que só a proximidade (promiscuidade...) com o poder lhes garantiu (e garante)..."