27 dezembro, 2013

Manual de Procedimentos T. Constitucional: ITR – Avaliação de medidas de corte de despesa

Caro leitor, você (também) "é daqueles" que não percebe o sentido das decisões do TC?

Não entende, por ex., porque:

     - Existindo a intenção de cortar apenas nos salários dos funcionários públicos, recorrendo a um preceito constitucional denominado “Equidade”, a “lei ordene” que esses cortes também abranjam os salários do privado (não se pode colocar o funcionário público perante tal situação de desigualdade de tratamento...);    

     - Quando se pretende cortar 10% nas pensões dos funcionários públicos, por terem (em média) um regime de aposentação 30% "mais generoso" que o sistema que abrange os trabalhadores do sector privado (convergência possível quando não há dinheiro...), não é possível cortar nesse direito porque viola o princípio da “Confiança” (ou seja, o funcionário público já tinha aquela expectativa e não pode ser defraudada…);

Ou seja, no 1º caso, o princípio da Confiança não se colocou, tendo o próprio TC sugerido implicitamente o corte de salários no sector privado. No 2º caso, a Equidade "é cena que não me assiste" (como alguém diria) não se vislumbrando qualquer impedimento constitucional perante o facto objectivo de estarmos perante um grupo de cidadãos mais privilegiado que outro... 

(Qual “ovo”, qual “galinha”! O verdadeiro dilema parece ser:O que nasceu primeiro: a Equidade ou a Confiança?”)
 
 
Mas, se você suspeita que estes “princípios constitucionais” são usados de acordo com a subjectividade ou a conveniência dos interesses da função pública onde, por coincidência, se inserem os Srs. Juízes do TC, nada disso! A questão é meramente de ordem administrativa e organizacional.

Através de fontes “fidedignas” dentro no Palácio Ratton, o “Jornalismo Assim” teve acesso ao Manual de Organização do Tribunal Constitucional. Assim, em rigoroso exclusivo, reproduz-se a seguir o fluxograma da Instrução de Trabalho “Avaliação de medidas de corte de despesa pública” (revisão Junho de 2011), documento em vigor e que explica a jurisprudência seguida pelos Srs. Juízes nos últimos 2 anos.



 

Como qualquer pessoa minimamente familiarizada com os Sistemas de Qualidade entende, a importância de cumprir com o estipulado nos procedimentos e instruções, é crucial. Os Srs. Juízes,  até reconhecem nos seus acordãos as desigualdades existentes e - em virtude da realidade financeira do país - a necessidade de medidas de alteração mas, como se compreende, o Manual de Procedimentos deixa-os de mãos atadas e ninguém gosta de ser o responsável por uma "Não Conformidade".

Entretanto, está prevista uma nova revisão do documento para meados de 2015… veremos se para 2016 (e anos seguintes) as medidas de corte de salários e pensões, passarão a contar com distinta apreciação jurídico-constitucional...



Há cerca de 1 ano, batizamos 2013 como “O ano da Ressurreição da Constituição” aproveita-se a ocasião para desejar:

Um Feliz, e Constitucional, 2014!

Notas do Fluxograma (clicar na imagem para ampliar):

(1)
Em 2010, governava o partido socialista, foi incluído no OE 2011 um corte entre 3,5% e 10% dos salários da função pública. Note-se, foram cortados APENAS os salários dos funcionários públicos e não os do privado. O TC considerou esses cortes constitucionais em função do ”contexto de emergência financeira"...



Já com o Governo de Passos & Gaspar, o TC veio chumbar o corte salarial (desta vez através dos subsídios) aos mesmos funcionários públicos previsto no OE 2012. A razão invocada prendeu-se então com a violação do princípio constitucional da “Equidade”, designadamente, a existência de uma desigual distribuição de sacrifícios entre sector público e privado.

Recorde-se, nesse momento e ao contrário de 2010, o Estado Português já estava sob resgate financeiro e com objetivos / metas orçamentais assumidas junto dos nossos credores internacionais. No entanto, com critério distinto da decisão tomada em 2010, os Srs. Juízes não terão reconhecido o ”contexto de emergência financeira"…


(2)
Recentemente o TC chumbou as medidas de convergência entre a CGA e o Regime Geral invocando a violação do principio da “Confiança”. Mas a medida agora chumbada, na prática, tem os mesmos efeitos que as alterações introduzidas (e bem…) pelo Governo Sócrates em 2006, tema já abordado neste post de Setembro:

“…com as mudanças ocorridas na sociedade ocidental (e portuguesa em particular), o sistema de pensões tornou-se completamente insustentável e, desde há alguns anos, correcções têm sido introduzidas de forma a fazer convergir o sistema de pensões da CGA com o RGSS (Regime Geral da Seg. Social). Por ex., um funcionário público que se reforma-se até 2005, teria uma pensão superior ao seu último salário (pensão = 100% do salário, mas fazia menos descontos). A partir de 2006, foi introduzido um factor que fez a pensão corresponder a 89% do último vencimento. O corte de 10% nessas pensões que agora se discute, resulta de uma alteração desse factor de 89% para 80%.Actualmente, estudos apontam para que um cidadão activo que hoje tenha menos de 50 anos, tenha no futuro uma reforma de 50% - 40% (quem sabe?...) desse mesmo vencimento.

Mais uma vez, não é o “Estado” quem “paga as pensões”, são os contribuintes que o fazem - melhor - existe um conjunto de contribuintes que paga e outro que recebe.

Assim, pergunta-se: com que "moral" se pode exigir a um grupo de cidadãos que terá uma pensão de 40% do seu vencimento (RGSS), que sustentem os “direitos adquiridos” de um outro grupo que continuará a receber 89% (CGA)? Será “moral” esta desigualdade de direitos entre cidadãos "iguais"? Será constitucional, a manutenção de um grupo de cidadãos de 1ª classe e outro de cidadãos de 2ª?!”